R. P. (TS)
26/12/2022
Consideração geral dos estágios de construção partidária, abstratamente pensados
Ainda que tratemos aqui dos estágios de grupo político ou de organização política, este texto se denomina justamente “sobre os estágios de organização partidária” porque a forma política do partido é o fim almejado do processo. Em linhas gerais, os estágios de construção de um partido, a nosso ver, são os seguintes:
1. Grupos de estudos –> 2. Organização –> 3. Partido de vanguarda –> 4. Partido de massas.
Cada estágio demarca, em linhas gerais, um objetivo próprio a ser atingido. Os estágios não são estanques; cruzem-se e contêm elementos contíguos. Além disso, cada estágio tem em si coloridos próprios, etapas internas. Em cada etapa interna ganha-se em qualidade e determinações. Determinado número de qualidades, ou seja, determinada quantidade de qualidades, faz um estágio se transformar em outro. Quando se entra num estágio novo, obviamente, ele ainda está longe de se realizar. A entrada somente dá os objetivos próprios a serem atingidos (e ela define cada tarefa de cada etapa interna)[1].
As tarefas de cada etapa de um estágio não são auto-excludentes (como são entre si, conceitualmente, as tarefas dos estágios diferentes). As tarefas de cada etapa são marcadas em linhas gerais por um momento primeiramente analítico e em seguida um momento sintético, que prepara a ascensão ao estágio superior. Por isso, esse método de construção partidária é descendente e ascendente. Em cada novo estágio em que se avança, decai-se primeiro em um momento analítico (separação de ideias, tentativas e erros), para depois erguer-se em síntese (consolidando experiências de sucesso). Uma etapa inferior de um estágio contém elementos da etapa superior do estágio anterior, assim como uma etapa superior de um estágio prepara a transição para a etapa inferior do estágio seguinte.
Primeiro estágio: grupo de estudos
A um grupo de estudos (ou círculo de estudos) cabe criar as bases programáticas para uma nova organização. Por meio de um esforço teórico, analisa-se diversas posições e se separa, num longo processo, as corretas das erradas (demonstradas pelo processo histórico), para depois se fazer uma síntese geral (propriamente um programa). Não se deve analisar e sintetizar apenas em seu sentido mais amplo, universal (determinações gerais do capitalismo), mas também quanto à aplicação à realidade específica, nacional.
Entretanto, programa é uma noção que une em si, de forma sintética, forma e conteúdo; é uma estratégia de luta ao mesmo tempo particular (pois partidária) e comum (pois de classe). Eis por que Trotsky dizia que “o programa é o partido”. A isso, adendamos: programa é também o partido em sentido amplo, a demarcação de posição da classe trabalhadora frente à capitalista. Assim, o programa é a concepção geral da estratégia para a conquista do poder político pela classe trabalhadora; contém em si as formas organizativas particulares e comuns de sua realização. Devido a tudo isso, a determinação do programa exige também a determinação das formas organizativas. Ou seja, ao estágio de grupo de estudos também cabe conceber a forma de partido e de dialética dos níveis organizativos necessários à conquista do poder político pelo proletariado[2].
Segundo estágio: organização (ou organização de quadros)
A uma organização cabe o objetivo aparentemente óbvio de “se organizar” em torno do programa e da concepção de níveis organizativos. Ou seja: cabe criar um estatuto, uma estrutura interna (direção e base), uma divisão de trabalho racional e produtiva. Mas tudo isso só é possível com o desenvolvimento de quadros, ou seja, com a formação de gente com capacidade de direção teórica, agitativa e organizacional. Eis por que o estágio de organização, diferentemente dos demais, é fundamentalmente marcado pela formação de quadros.
Essa formação se dá pelo estudo e pela experiência. Na experiência se analisa as diferentes capacidades e qualidades dos militantes, o que permite criar uma síntese superior, propriamente a direção política de uma organização (a qual, diga-se de passagem, não é estanque; reflete cada momento da organização)[3].
Na prática, em que consiste essa experiência na formação de quadros? Na experiência de preparação e exposição de grupos de estudos e na redação de textos de mais amplo alcance (quadros teóricos); na experiência de direção de atividades políticas de massa (quadros agitativos); na experiência de organização correta do trabalho interno e organização de atividades externas (quadros organizativos).
Nesse estágio ainda é compreensível (embora não aceitável) o cometimento de erros de menor consequência. Erros assim fazem parte da formação dos quadros. Dada a proximidade com o estágio de grupo (sobretudo na etapa inferior do estágio de organização), é compreensível que haja insegurança teórica e mesmo erros teóricos em seus diversos organismos. Manifesta-se assim a dificuldade de aplicação da teoria mais geral e abstrata em questões concretas. É também compreensível que sejam organizadas atividades internas e externas de forma precária. É compreensível que seja dirigida erroneamente uma greve, conduzindo-a ao fracasso. Com uma política honesta frente ao trabalhadores, todos esses erros, por meio de balanços críticos, servirão para avançar e formar militantes, bem como para ampliar a relação com os trabalhadores em geral.
Justamente por conta dessa precariedade de quadros é mais difícil passar de 40 militantes a 1000 do que de 1000 a 10.000. A organização cresce um pouco, mas reflui devido a erros de todo tipo. O risco de retorno ao estágio de grupo, sobretudo na etapa inferior do estágio organizativo, está sempre presente[4].
No estágio organizativo, devido ao fato de se estar ainda em formação (de quadros), a organização apenas obtém espaço em sindicatos secundários para a luta de classes. Com tal grau de fragilidade de quadros (característica do estágio), não é possível a realização de um trabalho político em sindicatos mais importantes.
A etapa inferior desse estágio cria quadros que lhe dão estabilidade e capacidade de intervenção/disputa política para concorrência com outras organizações ou partidos, tendo em vista seu crescimento. Tal estabilidade política cria as condições para a inserção organizada de militantes em pontos-chave da uma determinada região econômica (ou mais de uma). Tal inserção, entretanto, só pode ser bem propriamente realizada na etapa superior do estágio organizativo.
Terceiro estágio: partido de vanguarda
O estágio do partido de vanguarda se realiza (se finda) com a transformação completa da organização em parte da classe (partido). Deixa-se, portanto, de ser uma organização em processo de entrada no movimento da classe trabalhadora, para ser uma parte, no seio da própria classe, influindo em seu humor cotidiano (mesmo que apenas relativamente). Isso ocorre quando se dirige sindicatos importantes, ainda que sem abarcar a massa do proletariado de cada uma das categorias importantes; quando se conduz greves ou conflitos de importância conjuntural ampla[5].
Aqui, dado que são dirigidos alguns setores importantes ou estratégicos da classe, já não se pode “dar ao luxo” de errar. Ou seja, pressupõe-se que os quadros já estão formados (realização da etapa anterior) e cada erro tem um peso político muito maior. Aqui começa a participação na luta de classes propriamente dita, pois podem ser ampliadas seriamente as contradições com o capital. Novos desafios, muito mais graves, de defesa frente à repressão, colocam-se de forma geral (perseguições, demissões, prisões, assassinatos etc.).
A tarefa de entrada no movimento da classe foi preparada pela etapa superior do estágio anterior (direção de sindicatos secundários e inserção clandestina em setores-chave da economia, pra disputa futura de processos de mobilização e sindicatos). Assim, a partir desse acúmulo de forças, de conflitos sindicais (ainda não determinantes), apoiados numa estrutura sindical secundária, pode-se avançar para a disputa de sindicatos realmente importantes. Com estes, atinge-se o objetivo geral desse estágio: ser um partido que representa a vanguarda da classe trabalhadora dentro das categorias mais importantes de uma região econômica (país ou estados federais mais importantes).
Apenas ao final desse estágio o partido de vanguarda é capaz de abrir e manter de forma consistente (ou seja, sustentar por longo período) a dualidade de poder, sobretudo em comitês de fábrica[6]. Ainda assim, as lutas nesse estágio podem ainda não se generalizar. A dualidade de poder, por diversos motivos, às vezes não organiza o conjunto do proletariado de uma região econômica fundamental ou nação. Sobretudo, não alcança a dimensão do conselho (soviete). Por isso, o partido ainda não se torna propriamente de massas.
Quarto estágio: partido de massas
Na entrada desse estágio, os comunistas não dirigem mais apenas sindicatos localizados, apesar de importantes, mas os mais importantes sindicatos nacionais; e são por isso capazes de fomentar, de forma estável, organismos de poder dual como comitês de fábrica.
Isso permite a generalização da dualidade de poder para amplos setores proletários, ou seja, garante o ultrapassamento da forma do comitê de fábrica pela forma dos conselhos (sovietes). Trata-se do momento propriamente dialético de realização da estratégia, o momento em que os elementos privado e o comum (o partido e os organismos de frente única da classe) atuam conjuntamente, instituindo o poder proletário da sociedade futura.
A tarefa da etapa superior desse período é a hegemonia sobre as massas para a conquista e manutenção do poder político (insurreição, formação do governo operário, ditadura do proletariado).
Um partido de massas apenas se forma por meio da própria revolução comunista num determinado país ou região econômica fundamental. Tal revolução, obviamente, cria as condições para a criação (e aceleração) dos demais estágios de construção partidária em demais regiões fundamentais ou países.
[1] Assim, obviamente, não basta nos definirmos, por exemplo, como um grupo de estudos, para que suas tarefas estejam cumpridas. Quando assim nos definimos, as tarefas desse estágio apenas começam: é necessário discutir programa, elaborá-lo com calma a partir de um longo processo de análise e síntese etc. Da mesma forma, não basta nos definirmos, por exemplo, como uma organização política, para nos tornarmos uma. A definição apenas nos ajuda a traçar as tarefas centrais que buscaremos realizar num processo.
[2] Ver o texto “Vanguarda e conselhos em Lenin, Rosa e Trotsky”, de R.P. (TS), publicado neste site do Comitê de Enlace.
[3] Sobre a melhor forma de eleição de uma direção política, ver “Sobre o centralismo democrático”, de R.P. (TS), publicado neste site do Comitê de Enlace.
[4] Até onde sabemos, nenhuma organização da IV Internacional ultrapassou completamente o estágio de organização. Nenhuma delas chegou, por exemplo, a 10.000 militantes (no máximo, com as chamadas “colaterais”, assim como com ex-militantes e simpatizantes, reuniram um número semelhante em algumas poucas atividades. É o caso dos morenistas do MAS argentino na década de 1980 ou do WRP inglês no mesmo período). Estes sempre estiveram na transição entre a etapa superior do estágio organizativo para a etapa inferior do estágio de um partido de vanguarda (a ser analisada à frente).
[5] Por exemplo, esse é o estágio em que ainda tenta se estabelecer o PSTU brasileiro. Sua influência sobre alguns setores importantes da classe trabalhadora é ainda localizada e frágil, o que a todo momento ameaça lançá-lo ao estágio anterior, de organização política.
[6] Ver, quanto a isso, “Para interpretação do Programa de Transição”, em <https://transicao.org/negacaodanegacao/para-interpretacao-do-programa-de-transicao/> (acesso em dezembro de 2022).