Comitê de Enlace

Sobre a importância de um partido revolucionário [CI]

[Contribuição enviada pelo Comitê Intercidades]

Parte 1

INTRODUÇÃO

Queremos apresentar aos leitores do jornal Oposição de Esquerda, algumas considerações sobre a importância do partido como forma de combate organizado da classe trabalhadora. Pensamos o partido como um instrumento, não como uma igreja.

Mas por onde iniciarmos tal tarefa?

Atualmente, no Brasil, existem partidos que se apresentam como revolucionários, mas na prática, quando observamos de forma mais aproximada, o que notamos é o velho reformismo. Não é nosso objetivo, agora, escrever sobre cada uma dessas organizações. Em todas elas há militantes extraordinariamente comprometidos com a luta pelo socialismo. Mas devemos considerar que há um abismo entre os militantes de base e suas direções reformistas. São lutadores valiosos, mas dirigidos por burocratas, responsáveis pela degeneração destas organizações e a constituição de uma política de adaptações do pensamento revolucionário à ordem estabelecida.

Há, ainda, hoje, pequenos partidos, ligas, que por mais que se digam “humildes”, chamam para si a representação do partido revolucionário, como se a organização da classe fosse obra de apenas algumas dezenas de pessoas. A história (relações sociais) exige algo muito maior dos revolucionários! Queremos dialogar com todos estes militantes sérios, comprometidos com a organização da classe trabalhadora e a construção do socialismo.

Se pensarmos cronologicamente, o Manifesto do Partido Comunista de 1848 seria um importante ponto de partida para debatermos a importância do partido revolucionário. Mas também deveríamos considerar a existência de outros textos (inclusive aqueles onde Marx e Engels fazem um balanço critico de 1848), como os relativos à Associação Internacional dos Trabalhadores – AIT (1864); aqueles que tratam da experiência da Comuna de Paris (1871); a Crítica do Programa de Gotha (1875/1891), o Programa do Partido Social-Democrata Alemão em Erfut (1891), os documentos da II Internacional (1889); os textos no interior do Partido Social-democrata Russo, como “O Que Fazer?” de Lenin (1902); à III Comunista (1919) e IV Internacional (1938). Não trataremos de nenhum destes documentos aqui em nosso artigo, mas é importante apresentarmos aos leitores estas referências históricas, principalmente por vivermos em um período onde se nega a própria história do movimento revolucionário. São muitos os documentos que nos apresentam lições fundamentais sobre a construção do partido dos revolucionários. O que estamos reivindicando (a importância de um partido revolucionário) não é algo inédito na história. Precisamos considerar os que vieram antes de nós, sabermos que estamos inseridos em um processo histórico e que há lições a serem apreendidas por nós, hoje.

Há que se considerar a “forma” partido como um instrumento de luta da classe trabalhadora durante mais de um século. É verdade que esta forma é plural e metodologicamente diversa. Então, mais uma vez, de qual partido falamos?

Entre os marxistas (no sentido bem generoso do termo), o conceito de partido é bastante dilatado. Não é pequena a parcela de marxistas que entendem que o partido é a própria classe trabalhadora. Diferentemente dessa parcela, outros entendem que o partido é um organismo, uma organização, uma ferramenta da classe trabalhadora, para atuação no movimento operário. Até aqui já delimitamos duas vertentes absolutamente conflitantes sobre a concepção de partido revolucionário e de sua importância.

Lenin, diante do seu tempo, vivenciou uma outra forma de manifestação do partido… Havia naquele contexto um conjunto bastante numeroso e diverso de partidos que reivindicavam representar a classe trabalhadora. Um fenômeno que até então não existia no contexto de Marx. Estava posto para Lenin (e os demais revolucionários da Internacional), o desafio de polemizar com a burocracia sindical, e, a forma partido, centralizado pela base, era o que se colocava para aquele momento histórico (que continha uma sintonia com o partido organizado por trabalhadores nos meados da segunda metade do século XIX, por Marx).

Trotsky, desde o início do século XX, enfatizava o caráter do partido operário. Em 1928 (ele também já colocava este debate muito antes desta data), problematizava a organização partidária alertando sobre a necessidade de encarar os desafios construídos historicamente:

[…] de um partido proletário vivo, e ativo, através de comunistas avançados, pioneiros e construtores de socialismo […] o partido deve ser capaz de sentir isso através de seus inúmeros tentáculos e soar o alarme. Mas para tudo isso, o partido por inteiro deve ser sensível e flexível e acima de tudo não deve ter medo de ver, entender e falar (Trotsky, 2010, p. 78)[1].

A tarefa de escrevermos sobre a necessidade de uma organização unificada, com lutadores e lutadoras preocupados em avançar na luta e na organização diante do capital, através de um programa revolucionário é relativamente fácil. O desafio é afinarmos a viola para construirmos, para além da escrita, esse partido de carne e osso.

Necessitamos de uma organização real, composta pelos mais diversos setores da vanguarda em luta. Um partido que seja capaz de congregar a diversidade de pensamento sobre a realidade, diante do debate coletivo (que jamais será harmônico e linear), que seja capaz de errar e buscar a superação dos erros. Uma organização que dialogue de forma firme com os movimentos sociais e todos os setores de trabalhadores também organizados sob outras formas que não seja a partidária. Vejam, este partido precisa considerar o plano real, pois do contrário reproduzirá as formas utópicas, ainda longe de serem superadas na história da luta de classes.

Não dialogar com os mais diversos setores da vanguarda em luta, significa assinar a sua própria carta de marginalização. Mas é preciso destacar isso: a vanguarda. Não se trata de dialogar com qualquer oportunista. Precisamos focar no melhor da vanguarda operária. Certamente, precisamos debater profundamente o que é essa vanguarda.

Quando falamos de vanguarda, nos referimos àqueles que estão à frente. É comum, muitas pessoas se oporem à necessidade de uma vanguarda revolucionária. Mas vejamos uma questão interessante, quando, por exemplo, se fala de vanguarda artística, como na música, literatura, teatro, cinema, moda etc. não há objeções. Ou, também, quando se fala da vanguarda da indústria “4.0, 5.0”, mais elogios encontramos aos “empreendedores” de vanguarda! Ao se referir àqueles que estão à frente em relação a tal projeto de lei, a tal política pública, ou mesmo sobre as diversas formas de se relacionar diante das opressões… mais elogios à vanguarda! Por que, diante de uma proposta de vanguarda revolucionária, que se proponha destruir o assalariamento, a propriedade privada, o Estado e as classes sociais, através da ação de um partido revolucionário de vanguarda, existe tanto sapateio?

Arriscamos afirmar que o problema central por trás dos questionamentos a respeito da necessidade da organização de uma vanguarda é a negação de uma forma especial de vanguarda: a revolucionária, pois essa se difere profundamente de todas as outras em, seu propósito, que é radicalmente mais profundo, porque é revolucionário.

Quando defendemos a necessidade de um partido de vanguarda, não defendemos a distribuição de cajados para meia dúzia de militantes que se autoproclamam revolucionários, com mais meia dúzia de conceitos marxistas no bolso.

Nos referimos a uma vanguarda que dê conta de entender a realidade, a crise do capital, as demandas mais genuínas da classe operária, que seja capaz de analisar e caracterizar as etapas da luta de classes e de dirigir a classe levantando palavras de ordem unificadas e consequentes definidas a partir de análises de conjuntura elaboradas do ponto de vista do método marxista, baseadas na avaliação da correlação de forças entre as classes em luta, produzidas coletivamente por militantes inseridos nos locais de trabalho conhecedores da real disposição de luta da classe em cada fábrica em cada momento. (necessidade do método leninista de organização). Que a vanguarda da classe trabalhadora seja composta pelos os genuínos construtores desse partido. E aqui precisamos continuar realistas: a maioria da classe trabalhadora é educada para reproduzir o capital. Não se trata de um desejo de Paulo ou Renata, ou de um grupo ilustrado.  A própria lógica de reprodução da sociedade capitalista determina a existência de uma vanguarda, pois a maioria absoluta da classe trabalhadora está obrigada a se concentrar no aperto do parafuso e nas necessidades mais imediatas. Portanto, as próprias formas de sociabilidade no capitalismo, criam a necessidade da existência de uma vanguarda revolucionária. Foi isso que Marx queria dizer com a figura do coveiro, em 1848, no Manifesto do Partido Comunista. Ele se refere a classe operária, mas não nos enganemos, Marx em conjunto com outros militantes revolucionários desse período (destaque: grupo muito pequeno, nos seus melhores dias, possuíram algo ao redor de 300 militantes) constituíram parte de uma vanguarda engajada na fundação de um partido revolucionário!

Um outro destaque: a concepção de partido de vanguarda foi colocada com clareza para os comunistas, uma vanguarda que buscou influenciar a classe, internacionalmente. Os documentos da própria Liga dos Comunistas comprovam esse tipo de partido, embora até hoje, uma parcela de “revolucionários” insista em negar a necessidade da existência de um partido de vanguarda com o argumento de que, para Marx, o partido seria a própria classe trabalhadora em si. Isso é um grande equívoco, seja motivado por um erro de interpretação teórica ou ainda pela má-fé do oportunismo daqueles que procuram atalhos para se adaptarem com suas bandeiras vermelhas desbotadas. Que, aliás, são esse tipo de reformistas que Marx tanto combateu em vida.

Ora, um partido de vanguarda não trata das alianças? Sim, mas não do tipo de alianças que a democracia capitalista propõe. Não se trata de unidade que postule a conciliação de classes. Não se trata de unidade com o oponente, mas de unidade entre os lutadores que só podem ser identificados no processo de luta, não apenas pelos que postulam formalmente em seus documentos e discursos oportunistas. Nos referimos a um partido em construção permanente, inacabado por excelência, mas não desorganizado! Não possuímos modelos prontos a serem aplicados em determinados momentos históricos, mas há momentos históricos que nos exigem conteúdo, substância para forjarmos constantemente essa organização.

Certamente há experiências históricas, mas são experiências históricas e, não simples modelos a serem aplicados ao bel prazer do idealismo romântico. Marx ao apresentar o programa do partido internacional dos trabalhadores no século XIX, se referia à historicidade dos desafios de organização, distanciando-se de receituários pré-formulados: “A história de toda sociedade até nossos dias moveu-se em antagonismos de classes, antagonismos que se tem revestido de formas diferentes nas diferentes épocas” (Marx & Engels, 2005, p. 57)[2].

O leitor deve ter notado, que escrevemos de algo que apresenta elevado grau de complexidade e isso não deve ser confundido com alto grau de utopismo. Nos referimos a uma necessidade imperiosa de todos que vivem da venda diária da sua força de trabalho, desde seu nascimento até a morte, condenados a produzir e reproduzir a riqueza da qual nunca podem usufruir, pois ela é apropriada privadamente pelos capitalistas!

Escrevemos sobre uma necessidade concreta, que cria também uma tarefa necessária. Esse partido, não existe atualmente no Brasil e no mundo. Nossa tarefa é contribuir para a construção desse partido. Mesmo entre os lutadores de vanguarda, o referencial histórico predominante de partido sé uma concepção reformista, de frente popular, que estampam apenas na aparência como suas legendas as palavras comunismo, socialismo, trabalhadores, etc. Esse é um dos fatores que dificulta ainda mais a nossa tarefa de dialogar com parte da vanguarda. Não podemos reproduzir o discurso conformista da maioria dos marxistas de salão, que vendem aos operários o mal menor, defendendo que é “melhor pingar do que secar…” e por aí vai. Ao contrário disso, o que temos para propor é o mais difícil (em momento algum o trabalho dos revolucionários na história foi o mais fácil). Não é porque desejamos isso, mas sim porque essa difícil tarefa é uma determinação histórica, uma necessidade da classe, independente da vontade individual.

Diante da importância de um partido revolucionário, acreditamos na necessidade de enlaçar os revolucionários. O enlace das organizações, grupos e comunistas independentes é central na construção desse partido hoje no Brasil. Esse próximo período de lutas continuará exigindo dos revolucionários que se coloquem junto à classe operária com um programa revolucionário, com seus métodos próprios de luta, ação direta como as greves, ocupações, comitês de autodefesa, fábricas, bairros, etc. contra a exploração e opressões de toda classe trabalhadora.

Neste sentido, o Comitê Intercidades, participa do Comitê de Enlace, junto a outros camaradas independentes e organizações. Não acreditamos que todas estas tarefas históricas possam ser realizadas por meia dúzia de revolucionários. É preciso o enlace em torno de um programa revolucionário. O aprofundamento da crise capitalista e os planos de austeridades da burguesia contra o proletariado continuarão se multiplicando. É urgente a construção de um partido revolucionário internacionalista no Brasil. Uma revolução socialista é a única forma de mudar a vida da classe trabalhadora.

Nas próximas edições, o Oposição de Esquerda continuará promovendo o debate sobre a questão da importância do partido revolucionário. Aqui, não finalizamos nada, apenas apresentamos aos leitores algumas palavras iniciais sobre um tema em debate permanente no CI.


[1] TROTSKY, Leon. Stálin, o grande organizador de derrotas: a III Internacional depois de Lenin. São Paulo: Editora Instituto José Luis e Rosa Sundermann, 2010.

[2]MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. Tradução de. Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.